O serviço público de educação é um pilar essencial e imprescindível de uma democracia que, por definição, garanta a igualdade de oportunidades e o desenvolvimento integral de uma sociedade moderna.

«Mulher, feminina e fêmea», a mais recente exposição bibliográfica da BECRE


Tem início no Dia Internacional da Mulher (8 de março) a exposição «Mulher, feminina e fêmea», uma atividade da BECRE que se prolongará até ao dia 30 deste mês.
Os livros divulgados - consulte o catálogo - abordam não apenas o papel familiar tradicional da mulher enquanto esposa, mãe e dona de casa, assim como outras funções desempenhadas por esta na sociedade e os preconceitos de que pode ser alvo. Hoje, as mulheres estão integradas em quase todos os ramos profissionais (incluindo as operações militares de alto risco), mas a plena igualdade de género ainda não existe.
La Source,
Jean-Auguste Dominique Ingres
1856
Dê, portanto, uma "vista de olhos" no fundo documental da BECRE associado ao tema em apreço. Apresentamos livros de escritoras portuguesas e estrangeiras, tanto romancistas como filósofas, sobre mulheres desportistas, sobre peças de vestuário feminino ou instrumentos de tortura utilizados na Idade Média especialmente concebidos em função da anatomia feminina. E, porque não, conhecer algo sobre a tarefa das aguadeiras na Almada de outrora? Ou, ler um artigo de revista sobre a condição social inferior vivida pelas mulheres em alguns países não ocidentais e as consequências deste facto no desenvolvimento cultural, económico e demográfico dos mesmos? A importância da mulher enquanto modelo artístico de eleição na pintura e como modelo publicitário são outros assuntos igualmente focados na exposição.
A complementar o conjunto de livros e revistas que integram o catálogo, apresenta-se um cartaz com os Direitos da Mulher (ONU) e um modelo dos órgãos reprodutores femininos internos, construído por alunos do 12º ano de escolaridade sob a orientação da professora Helena Cruz.
Não esquecemos a frágil Joaninha, a "menina dos rouxinóis" no romance histórico «Viagens na Minha Terra» de Almeida Garrett, nem Simone de Beauvoir, que um dia considerou a mulher o "segundo sexo" e que tão bem António Gedeão retrata na labuta quotidiana dramática da sua Luísa que sobe mecanicamente a Calçada de Carriche.



Calçada de Carriche

Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;

serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,

dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,

larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.

Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,

sobe que sobe,
sobe a calçada.

António Gedeão, in "Teatro do Mundo" (1958)

Rosa Espada

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