Se podes ver, repara.
“Romancista, poeta e dramaturgo, autodidacta, José Saramago apenas concluiu estudos secundários, dadas as dificuldades económicas familiares. Desenvolveu um percurso profissional do jornalismo e política, com experiências em serralharia, produção e edição literária, assim como em tradução. Da poesia ao romance, passando pelo conto, crónica, viagem e teatro, é um dos autores portugueses contemporâneos mais conhecido e distinguido internacionalmente.”
Fonte:
José Saramago: um escritor do mundo
Libération, Antoine de Gaudemar:
“Desenhados a partir da realidade ou do misticismo do seu país, os romances de Saramago, que têm uma arquitectura complexa e uma ironia voltairana, demonstram uma riqueza de invenção que ganhou o apoio dos jurados da Suécia.” (6 de Novembro de 1998)
The New York Times, Fernanda Eberstadt:
Saramago tem uma reputação ambígua no seu país natal. Quando ganhou o Prémio Nobel, os leitores portugueses sentiram-se reconhecidos por, finalmente, um compatriota seu ter ganho tão distinto prémio. Apesar disso, muitos parecem não gostar de Saramago. Em parte, tal deve-se ao ressentimento de um País há muito dominado por uma pequena elite. Por outro lado, é também o resultado da inconformada personalidade de Saramago.” (26 de Agosto de 2007)
The New Yorker, James Wood:
“Ele tem a habilidade de parecer sábio e ignorante ao mesmo tempo, como se não fosse mesmo ele a narrar as suas histórias. Frequentemente, ele usa o que podia ser chamado de estilo indirecto livre e não identificado – as suas ficções soam como se estivessem a ser contadas não por um autor, mas por um grupo de velhotes sabichões e tagarelas, sentados num porto de Lisboa, a fumar um cigarro, entre eles o próprio escritor.” (27 de Outubro de 2008)
"Há poucas dúvidas sobre o seu génio literário. Mas Saramago é ainda mais famoso pelos seus pontos de vista esquerdistas e aguerridos. Recentemente referiu-se ao líder da direita italiana, Sílvio Berlusconi, como vómito. E em 2002, comparou os territórios palestinianos a Auschwitz. «Sou um comunista hormonal. O meu corpo contém hormonas que fazem crescer a minha barba e outras que me transformam em comunista. Mudar, para quê? Isso envergonhar-me-ia. Eu não me quero transformar noutra pessoa» diz o autor” (22 de Junho de 2009)
Público, Carlos Reis:
“Com José Saramago [...] desaparece não apenas um grande escritor português, mas sobretudo um enorme escritor universal”. [...] fica connosco um universo: esse que Saramago criou, feito de uma visão subversiva da História e dos seus protagonistas, dos mitos estabelecidos e das imagens estereotipadas” (4 de Março de 2011)
Memorial do Convento
Romance de José Saramago publicado em 1982 e reeditado em 2002. A açcão de Memorial do Convento desenvolve-se no reinado de D. João V, incidindo designadamente sobre o período de construção do Convento de Mafra, como indicia o título.
O período em questão surge caracterizado através de personagens históricas propriamente ditas, como sejam aquelas da família real, mas também através de atmosferas marcadas por fenómenos populares do tempo, como os famosos autos de fé (em que uma das personagens principais virá a morrer com António José da Silva), as procissões e as touradas. A partir destas coordenadas se configura, por um lado, o mundo artificial e ostentatório da realeza, por outro, um ambiente estratificado de ignorância e superstição evidentes no Portugal da primeira metade do século XVIII, sob a égide do Santo Ofício.
A contaminação desta narrativa pela noção de que a História e mesmo a Literatura fabricam o romance da humanidade a partir do ponto de vista dos seus senhores é evidente em todo o enunciado, nomeadamente a partir da definição das suas personagens principais. É com figuras nobres que Memorial do Convento começa. No entanto, contrariando as expectativas dos leitores, o narrador parece encarar com alguma ironia a sua (ausência de) densidade psicológica, facto que é tanto mais chocante quanto se trata do rei e da rainha. Surpreendentemente, é no meio da multidão, tradicionalmente anónima, que sobressaem, ambos elementos do povo, Blimunda Sete-Luas, a mulher que vê o interior das pessoas se estiver em jejum e Baltasar Sete-Sóis, aquele que perdeu uma mão na guerra, e Bartolomeu de Gusmão, o padre "voador", nos quais assentará a espinha dorsal da acção.
Esta joga-se, por um lado, na edificação do referido Convento ("por um voto que o rei fez se lhe nascesse um filho") e as vidas e fundos que compromete, e, por outro, na construção paralela da Passarola pelas supra-citadas personagens principais, espécie de Santíssima Trindade profana.
Enquanto o Convento representa o sacrifício caprichoso da colectividade humana vergada a uma vontade individual e, por conseguinte, a decepção da aventura colectiva humana tal como a História não a conta, a Passarola, construída por Baltasar a partir dos planos de Bartolomeu de Gusmão, e voando graças às vontades humanas contidas nas suas esferas que Blimunda captara nos corpos das pessoas, simboliza de algum modo a condição angélica do Homem, ou, mais do que isso, a revelação da condição humana (nas suas entranhas, nos seus fluidos, nos seus cheiros, nas suas rugas, etc.) como condição divina: "Deus estava fora do homem e não podia estar nele, depois, pelo sacramento passou a estar nele, assim o homem é quase Deus, ou será afinal o próprio Deus, sim, sim, se em mim está Deus, eu sou Deus, sou-o de modo não trino ou quádruplo, mas uno, uno com Deus". É esta revelação "sacrílega" que enlouquece Bartolomeu, levando-o a tentar queimar a Passarola depois de, temendo o Santo Ofício, ter nela fugido, com Baltasar e Blimunda.
Depois da aventura da Passarola, Baltasar trabalhará ainda no Convento, esse monumento cuja massa monstruosamente inumana vai ascendendo, apesar de tudo, como a Passarola, e revelando a história profana do Homem como uma história de redenção.
Deste modo, José Saramago reescreve as convenções históricas, religiosas e literárias da nossa cultura, mostrando, como salienta Eduardo Lourenço, que, à semelhança da Passarola, "o fim de toda a ficção é voar, elevar-se sobrevoando, não céus inexistentes nem realidades mágicas, mas descolar da sua própria realidade humana, pesada, obscura, opaca, para ver melhor ou de outra maneira (...)". Em finais dos anos noventa, esta obra foi adaptada ao teatro por Manuel Real e Filomena Oliveira.
O período em questão surge caracterizado através de personagens históricas propriamente ditas, como sejam aquelas da família real, mas também através de atmosferas marcadas por fenómenos populares do tempo, como os famosos autos de fé (em que uma das personagens principais virá a morrer com António José da Silva), as procissões e as touradas. A partir destas coordenadas se configura, por um lado, o mundo artificial e ostentatório da realeza, por outro, um ambiente estratificado de ignorância e superstição evidentes no Portugal da primeira metade do século XVIII, sob a égide do Santo Ofício.
A contaminação desta narrativa pela noção de que a História e mesmo a Literatura fabricam o romance da humanidade a partir do ponto de vista dos seus senhores é evidente em todo o enunciado, nomeadamente a partir da definição das suas personagens principais. É com figuras nobres que Memorial do Convento começa. No entanto, contrariando as expectativas dos leitores, o narrador parece encarar com alguma ironia a sua (ausência de) densidade psicológica, facto que é tanto mais chocante quanto se trata do rei e da rainha. Surpreendentemente, é no meio da multidão, tradicionalmente anónima, que sobressaem, ambos elementos do povo, Blimunda Sete-Luas, a mulher que vê o interior das pessoas se estiver em jejum e Baltasar Sete-Sóis, aquele que perdeu uma mão na guerra, e Bartolomeu de Gusmão, o padre "voador", nos quais assentará a espinha dorsal da acção.
Esta joga-se, por um lado, na edificação do referido Convento ("por um voto que o rei fez se lhe nascesse um filho") e as vidas e fundos que compromete, e, por outro, na construção paralela da Passarola pelas supra-citadas personagens principais, espécie de Santíssima Trindade profana.
Enquanto o Convento representa o sacrifício caprichoso da colectividade humana vergada a uma vontade individual e, por conseguinte, a decepção da aventura colectiva humana tal como a História não a conta, a Passarola, construída por Baltasar a partir dos planos de Bartolomeu de Gusmão, e voando graças às vontades humanas contidas nas suas esferas que Blimunda captara nos corpos das pessoas, simboliza de algum modo a condição angélica do Homem, ou, mais do que isso, a revelação da condição humana (nas suas entranhas, nos seus fluidos, nos seus cheiros, nas suas rugas, etc.) como condição divina: "Deus estava fora do homem e não podia estar nele, depois, pelo sacramento passou a estar nele, assim o homem é quase Deus, ou será afinal o próprio Deus, sim, sim, se em mim está Deus, eu sou Deus, sou-o de modo não trino ou quádruplo, mas uno, uno com Deus". É esta revelação "sacrílega" que enlouquece Bartolomeu, levando-o a tentar queimar a Passarola depois de, temendo o Santo Ofício, ter nela fugido, com Baltasar e Blimunda.
Depois da aventura da Passarola, Baltasar trabalhará ainda no Convento, esse monumento cuja massa monstruosamente inumana vai ascendendo, apesar de tudo, como a Passarola, e revelando a história profana do Homem como uma história de redenção.
Deste modo, José Saramago reescreve as convenções históricas, religiosas e literárias da nossa cultura, mostrando, como salienta Eduardo Lourenço, que, à semelhança da Passarola, "o fim de toda a ficção é voar, elevar-se sobrevoando, não céus inexistentes nem realidades mágicas, mas descolar da sua própria realidade humana, pesada, obscura, opaca, para ver melhor ou de outra maneira (...)". Em finais dos anos noventa, esta obra foi adaptada ao teatro por Manuel Real e Filomena Oliveira.
Fonte:
Vídeos
(18/06/2010)
..............................................................................................................
..............................................................................................................
(28/08/2009)
..............................................................................................................
..............................................................................................................
sebastienlopes
(14/05/2010)
..............................................................................................................
(18/06/2010)
..............................................................................................................
Hiperligações:
Títulos seleccionados e disponíveis
para consulta na BECRE:
Sobre José Saramago
Obras seleccionadas de José Saramago
Sobre a obra "Memorial do Convento"
Filme em DVD, baseado em obra de José Saramago
Artigos relacionados:
«A maior flor do mundo» de José Saramago
«Dia José Saramago» no Centro Cultural de Belém (CCB)
José Saramago (1922-2010)
Lançamento do livro «José Saramago nas Suas Palavras»
Morreu José Saramago, Nobel da Literatura 1998
José Fernando Vasco
Ana Paula Cardoso
Conceição Toscano, Sónia Lapa
(tratamento documental)
Sem comentários:
Enviar um comentário