O atual governo, desde um inenarrável secretário de estado da juventude que aconselhou os jovens desempregados portugueses a saírem da sua «zona de conforto» e a emigrarem (veja-se: http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/nacional/politica/secretario-de-estado-apela-a-jovens-para-emigrarem) até ao primeiro-ministro, tem sido pródigo em intervenções que se podem qualificar como autênticas pérolas argumentativas.
Recentemente o primeiro-ministro estabeleceu uma relação de causalidade entre a saída da crise e o empobrecimento (veja-se: http://sol.sapo.pt/inicio/Politica/Interior.aspx?content_id =32031). O seu argumento poderia ser assim exposto: se queremos sair da crise, temos de empobrecer; ora, queremos sair da crise; logo, temos de empobrecer. (Está bem de ver que o empobrecimento é uma realidade crescente e avassaladora; já a saída da crise…).
Por razões que aqui não cabe esclarecer, quem estuda filosofia sabe que aquele argumento passistacoelho é um argumento válido.
Quem estuda filosofia sabe também que a pergunta que aqui se deve fazer é esta: e é um argumento sólido? Trata-se de um bom argumento? Tem premissas verdadeiras e plausíveis?
Por mais que incomode a elite governante, a partir desta interrogação e colocação do problema abre-se todo um campo de discussão, de análise, de crítica, de aprofundamento das questões e das vias de superação da situação que vivemos; em suma, dá-se sentido à democracia.
As soluções (há sempre soluções, há sempre caminhos alternativos…) não serão fáceis, exigem estudo sério e trabalho persistente; exigem desde logo crítica corajosa contra a dogmática neoliberal dominante, rendida ao objectivo supremo de aumentar o lucro em detrimento do interesse público, do interesse e bem-estar da grande maioria das pessoas. Crítica que exponha o que está implícito nesta proposta de via milagrosa para o empobrecimento, leia-se, a via da regressão civilizacional, da perda de direitos, da marcha cega para o precipício.
Vem tudo isto a propósito do mais recente livro do filósofo Desidério Murcho, Filosofia em Directo (Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2011), disponível na nossa BECRE. Trata-se de uma obra útil e sugestiva de introdução a alguns temas e problemas trabalhados pela investigação filosófica, alguns deles presentes no programa de filosofia do 10º e 11º anos de escolaridade.
Nesta obra pode ler-se a dado passo (p. 23):
«A liberdade de expressão, a menos que seja mero palavreado, é a liberdade de exprimir, ensinar e promover em público precisamente as ideias que não queremos ouvir. E é precisamente por isso que se pode defender que não devia haver liberdade de expressão; na verdade, só porque se tornou politicamente incorrecto atacar a liberdade é que muitas pessoas não a atacam directamente; mas atacam-na de facto sempre que defendem que certas ideias não deveriam ser publicamente expressas ― as ideias com que se ofendem.»
A citação suscita-nos um comentário.
Enquanto para alguns a filosofia é uma ocupação entediante para quem tem pouco que fazer.
Enquanto para outros a filosofia trata de matérias, no imediato, abstrusas, e, no mínimo, distantes da vida de todos os dias.
Enquanto ainda para outros sai-se da filosofia como nela se entrou, ou seja, ignorantes do seu sentido e alcance; (uma figura pública que vi há uns anos fazer uma observação deste género dá pelo nome de Duarte Lima…).
Para nós ― e o livro de Desidério Murcho também o mostra ― a filosofia é de princípio um exercício fundamental de questionamento do poder e das suas múltiplas instâncias, de todos os poderes, qualquer que seja a modalidade, a configuração, a coloração e a força que assumirem.
Razão, distância crítica, capacidade de entendimento do real, abertura para uma intervenção humana e humanizante ― eis alguns dos aspectos (agora está na moda dizer competências…) que a filosofia ajuda a fomentar e consolidar.
Percebe-se por que motivo a filosofia incomodou tanta gente no passado e continuará a importunar.
Recentemente o primeiro-ministro estabeleceu uma relação de causalidade entre a saída da crise e o empobrecimento (veja-se: http://sol.sapo.pt/inicio/Politica/Interior.aspx?content_id =32031). O seu argumento poderia ser assim exposto: se queremos sair da crise, temos de empobrecer; ora, queremos sair da crise; logo, temos de empobrecer. (Está bem de ver que o empobrecimento é uma realidade crescente e avassaladora; já a saída da crise…).
Por razões que aqui não cabe esclarecer, quem estuda filosofia sabe que aquele argumento passistacoelho é um argumento válido.
Quem estuda filosofia sabe também que a pergunta que aqui se deve fazer é esta: e é um argumento sólido? Trata-se de um bom argumento? Tem premissas verdadeiras e plausíveis?
Por mais que incomode a elite governante, a partir desta interrogação e colocação do problema abre-se todo um campo de discussão, de análise, de crítica, de aprofundamento das questões e das vias de superação da situação que vivemos; em suma, dá-se sentido à democracia.
As soluções (há sempre soluções, há sempre caminhos alternativos…) não serão fáceis, exigem estudo sério e trabalho persistente; exigem desde logo crítica corajosa contra a dogmática neoliberal dominante, rendida ao objectivo supremo de aumentar o lucro em detrimento do interesse público, do interesse e bem-estar da grande maioria das pessoas. Crítica que exponha o que está implícito nesta proposta de via milagrosa para o empobrecimento, leia-se, a via da regressão civilizacional, da perda de direitos, da marcha cega para o precipício.
Vem tudo isto a propósito do mais recente livro do filósofo Desidério Murcho, Filosofia em Directo (Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2011), disponível na nossa BECRE. Trata-se de uma obra útil e sugestiva de introdução a alguns temas e problemas trabalhados pela investigação filosófica, alguns deles presentes no programa de filosofia do 10º e 11º anos de escolaridade.
Nesta obra pode ler-se a dado passo (p. 23):
«A liberdade de expressão, a menos que seja mero palavreado, é a liberdade de exprimir, ensinar e promover em público precisamente as ideias que não queremos ouvir. E é precisamente por isso que se pode defender que não devia haver liberdade de expressão; na verdade, só porque se tornou politicamente incorrecto atacar a liberdade é que muitas pessoas não a atacam directamente; mas atacam-na de facto sempre que defendem que certas ideias não deveriam ser publicamente expressas ― as ideias com que se ofendem.»
A citação suscita-nos um comentário.
Enquanto para alguns a filosofia é uma ocupação entediante para quem tem pouco que fazer.
Enquanto para outros a filosofia trata de matérias, no imediato, abstrusas, e, no mínimo, distantes da vida de todos os dias.
Enquanto ainda para outros sai-se da filosofia como nela se entrou, ou seja, ignorantes do seu sentido e alcance; (uma figura pública que vi há uns anos fazer uma observação deste género dá pelo nome de Duarte Lima…).
Para nós ― e o livro de Desidério Murcho também o mostra ― a filosofia é de princípio um exercício fundamental de questionamento do poder e das suas múltiplas instâncias, de todos os poderes, qualquer que seja a modalidade, a configuração, a coloração e a força que assumirem.
Razão, distância crítica, capacidade de entendimento do real, abertura para uma intervenção humana e humanizante ― eis alguns dos aspectos (agora está na moda dizer competências…) que a filosofia ajuda a fomentar e consolidar.
Percebe-se por que motivo a filosofia incomodou tanta gente no passado e continuará a importunar.
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Pedro Santos Maia
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