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«Como poderá a poesia de Fernando Pessoa influenciar-me?»


De todos os poetas portugueses não deverá haver muitos que englobem tantas personalidades tal como fez Fernando Pessoa. O porquê dessa causa é discutível, não se achando uma resposta concreta, universal e finita mesmo quando todos os “sábios” da literatura portuguesa convidam os leitores a conjecturarem uma opinião. O certo é que todos nós podemos ter uma ideia peculiar do porquê das múltiplas personalidades de Pessoa. Ao longo deste texto apresento a minha, numa direção que levará à conjectura de uma personagem que liga os heterónimos de Pessoa, mas num sentido muito subjectivo e, assim sendo, como pode Pessoa, de alguma forma, influenciar-me.

Para dizer se o faz, ou como o faz, é necessário conhecer as personalidades que Pessoa criou. A primeira, o “mestre de todos os outros heterónimos”, ganhou esse estatuto porque foi o único que atingiu o objectivo que Fernando Pessoa estabeleceu para um poeta livre, que não liga ao conhecimento mas vive no imediato e não no passado, no “ver” e não no pensar e que escreve, fazendo dessa forma de escrita, a sua forma de viver. Assim, Alberto Caeiro só se importa em ver de forma objectiva e natural a realidade com a qual contacta a todo o momento, sentindo-a, sem colocar qualquer que seja o significado humano, não fazendo assim, como é costume humano, uma atribuição de significado próprio às coisas. A alienação tenta ser total, para lá do que acontece com todos os outros heterónimos: Caeiro tenta ao máximo afastar-se do pensamento, vendo e sentindo as coisas tal como são, sem passado nem futuro, aproximando-se, assim, tal como propõe, da felicidade.

Perto dele encontra-se Ricardo Reis. Mas este apenas retira de Caeiro o facto da procura da felicidade só ser conseguida num lugar calmo, tranquilo, como o campo e, para além disso, tal como Caeiro, dever-se-á viver a vida a cada momento. O que o distingue de Caeiro é a procura da serenidade, do não se deixar levar pelos impulsos dos sentidos, dos instintos. Isto cria em Ricardo Reis uma apatia, uma prisão de movimentos, sendo a sua liberdade constantemente assaltada pelo “destino” da pressuposta efemeridade de vida.

No extremo oposto a Ricardo Reis, detentor de uma apatia algo extremista, situa-se Álvaro de Campos com a sua energia frenética. Campos procura, mais que todos os outros heterónimos, a totalização das sensações pois, sentindo a complexidade e a dinâmica da vida moderna, deseja sentir até mesmo o pensar, contrastando assim com Alberto Caeiro. Desejoso de ultrapassar todos os limites das próprias sensações, Campos entra numa demanda por “ser toda a gente e toda a parte”.

Na verdade, a poesia de Fernando Pessoa pouco ou nada me influencia. Todos os heterónimos formam à volta de si carapaças que parecem excluí-los do que se passa no mundo. Refugiam-se nas suas personalidades muito características, fugindo desta forma e no meu parecer a uma das sensações mais fortes do ser humano: a de amor ao próximo. Esse amor traduz-se em várias situações. Entre elas, podemos contar a ajuda social, o sentimento altruísta, não buscando a felicidade só para nós próprios mas sim a felicidade conjunta. Alberto Caeiro tenta ao máximo afastar-se do passado e do pensar. Mas estas duas dimensões são das sensações de que o ser humano mais precisa. Não é por pensar que o Homem fica preso. Aliás, é unindo o passado com o ato de pensar que se consegue chegar a conclusões de como se podem, por exemplo, aprender com os erros anteriormente feitos. Já Ricardo Reis tenta alcançar a felicidade, mas de forma tranquila, sem agir. Ora, isso é completamente impossível. Não tem o Homem capacidade de se mexer? De olhar para um dourado, “energizante” e ao mesmo tempo contemplativo pôr de sol? Até de sentir o êxtase da felicidade de alguém próximo e com essa pessoa partilhar o momento de alegria que enche esse coração? Ou até assistir uma pessoa que sente dor, chorando com ela e ajudando-a a levantar-se? A resposta é sim. Em relação a Álvaro de Campos, considero que a histeria deve ser controlada. A energia frenética que as máquinas trazem, deve ser canalizada para o bem da Humanidade. Todas as sensações não devem ser alvo de se querer vivê-las. Há aquelas, como o roubar, o invejar, o maldizer, que não honram de maneira nenhuma o Homem. Essas devem ser excluídas do desejo humano.

Por último, penso que Fernando Pessoa poderia ter construído algum heterónimo que trouxesse algo de diferente à sociedade portuguesa. Não mais personalidades que apenas revelam o que é comum e existe em todas as sociedades. Mas talvez uma personalidade de esperança, de esforço, ajuda ao próximo, alguém que não fosse preocupado com o atingir da sua felicidade individual mas quisesse a mesma felicidade total para todos. E tal personagem até poderia ter alguns dos traços característicos dos heterónimos: o gosto da natureza de Caeiro no sentido de preservar o ambiente e ajudar a construir e tornar vigente as boas práticas ambientais; a serenidade e calma de Ricardo Reis que ajudam ao pensamento correcto, inteligente e lógico; e a atitude de agir de Álvaro de Campos, no sentido de não deixar cair em preguiça ou displicência qualquer que seja a tarefa que cabe a cada um no meio da sociedade.

Talvez Pessoa não tenha construído essa personagem de propósito, criando apenas os seus opostos, mas deixando alguns traços que ela poderia ter. Talvez de propósito para que fossemos nós, a sociedade portuguesa a achá-la, a construi-la, sendo esse ato representativo dos passos que Portugal poderá necessitar de dar para, num futuro próximo e, se quiser, chegar a ser uma sociedade de valores morais e éticos que ajudem a se chegar à felicidade conjunta.
 
 João André Gama Silva
(aluno CCH - Línguas e Humanidades)

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