Ao lermos a poesia de Fernando
Pessoa, à primeira vista, nada na nossa forma de encarar a vida muda mas, ao
mergulharmos no universo pessoano, podemos vê-la como um veículo para o nosso
interior, podemos encará-la como o motor para a reflexão.
Fernando Pessoa tinha a
capacidade de se transfigurar, de se multiplicar. Para ele era possível ter
muitas vidas e muitas almas dentro de uma só. "Viver é ser outro. Nem sentir é possível se
hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir
- é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem
foi a vida perdida.", esta sua característica dava-lhe
liberdade para sentir e para viver diferentes dimensões, mas seremos nós tão
diferentes dele? Não, todos nós nos deparamos com adversidades e todos nós
procuramos mecanismos de defesa para as superar. É assim que, muitas vezes,
desejamos viver a vida de outrem, ter a liberdade de encarnar outra alma, de
modo a fugir dos nossos problemas. Pessoa transmite-nos a vontade de arriscar,
de voar de alma em alma, "A única maneira de teres
sensações novas é construíres-te uma alma nova.".
E sonhar? Tal
como para o poeta, também para a maioria dos “mortais” sonhar é fugir, sonhar é
liberdade, sonhar é esquecimento, sonhar é... É tudo aquilo que a vida não o é,
mas só até acordar. "De sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e
esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos.", "Matar o sonho é matarmo-nos. É
mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de
impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.". Sonhar é a
fuga da vida com a qual nos conformamos sem realmente nos conformarmos. Sonhar
torna possível esquecer a frustração, esquecer o conformismo, dar largas à
imaginação e viver, viver exclusivamente para viver, mas… porque quereremos nós “fugir” da vida? Como
seres humanos que somos temos sempre a necessidade de traçar o nosso futuro,
toda a nossa vida é estruturada a partir das nossas ambições, dos nossos
pensamentos. O que sucede na maior parte das vezes é a dificuldade em cumprir o
plano da nossa vida, a vida não é feita para ser totalmente traçada, há sempre
o factor surpresa. Muitas vezes os nossos pensamentos e ambições são tão altos
que são irreais, "Tenho
pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova
luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos
homens."
Por outro lado, parece estar sempre patente na poesia de Fernando
Pessoa uma certa amargura e falta de vontade de viver. De facto, a felicidade surge-nos, quase sempre, como
algo inatingível, irreal, utópico... Neste sentido, penso que a poesia pessoana
permite-nos olhar para a vida de outra maneira, qual será o sentido de viver
uma vida à qual não se dá valor? Assim, ao ver o descontentamento e o desânimo
de Pessoa em relação à vida podemos reflectir sobre o sentido da nossa e
aprender a dar-lhe mais valor. Tal como Fernando Pessoa defende, não devemos
analisar todos os pormenores da nossa vida, devemos tentar pôr de parte o nosso
racionalismo e tentar apreciar a simplicidade da vida, "Ver muito
lucidamente prejudica o sentir demasiado.”, "Sentir é criar. Sentir
é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o universo não
tem ideias.", "Pensar
é destruir. O próprio processo do pensamento o indica para o mesmo pensamento,
porque pensar é decompor."
"A finalidade da arte não
é agradar. O prazer é aqui um meio; não é neste caso um fim. A finalidade da
arte é elevar.", daí cada
pessoa sentir a arte de forma diferente, cada pessoa tem os seus olhos e são
esses mesmos olhos que veem a arte, por isso, todos a vemos de forma única e
particular. Tal como todo o tipo de arte, também na poesia, neste caso concreto
a poesia de Fernando Pessoa, desperta em cada indivíduo uma sensação, um misto
de emoções que variam de pessoa para pessoa e mesmo de momento para momento,
não sentimos sempre da mesma forma e, consequentemente, o processo de apreciar
arte é instável e está em permanente desenvolvimento. Fernando Pessoa
influencia, através da sua poesia, a nossa forma de encarar a poesia, a vida, o
mundo... Cada indivíduo é único, tal como a sua forma de encarar o que o
rodeia!
Matilde da Sela
(aluna CCH - Línguas e Humanidades)
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