Um cometa é mesmo só um cometa. Mais um astro a ocupar o escuro e frio espaço do universo. Para Aristóteles (384 a.C-322 a.C) um cometa era uma "estrela com cabeleira", mas hoje a ciência descreve os cometas como sendo formados por uma mistura de gelo (água, gases congelados) e poeira, que por alguma razão não coalesceram com os planetas quando o sistema solar foi formado. Este facto torna-os cientificamente interessantes como amostras da história passada do sistema solar.
O livro de Joaquim Fernandes, professor da Universidade Fernando Pessoa (Porto), é interessante. Deu à estampa em Maio do presente ano sob a chancela da Temas e Debates/Círculo de Leitores e intitula-se "Halley, o cometa da República".
Ao aproximar-se da órbita terrestre em 1910 o cometa Halley fez temer o pior. Baseando-se na imprensa da época, o autor dá conta da ansiedade e histerismo colectivos vividos por causa da manifestação deste fenómeno natural na nossa atmosfera planetária.
No Portugal rural do princípio do século XX, a ignorância e o analfabetismo quase generalizados muito fizeram acontecer para poder relatar junto de todos os portugueses que agora se preparam para assinalar o centenário da instauração da República.
As notícias saídas na imprensa reflectiam o ambiente social e cultural português, contextualizadas pela época (veja-se, por exemplo, aquelas vindas de França). Entre outras dimensões da vida do país, este famoso cometa foi utilizado para associar os políticos aos escândalos da altura e na publicidade ajudou a vender os mais variados artigos e serviços, revelando-se um autêntico fenómeno de "marketing" comercial da belle époque nacional. Também a especulação em torno da possibilidade do envenenamento da atmosfera terrestre pelos gases do cometa (como o cianogénio) fez correr rios de tinta, com a divulgação das declarações antagónicas de astrónomos e químicos estrangeiros reputados. A fina nata dos cientistas portugueses participou igualmente no debate. O empenho calmante e pedagógico da Academia das Ciências de Portugal fazia gala dos seus rigorosos critérios científicos, na afirmação de que o cometa era apenas um astro com interesse para os homens da ciência e nada mais. Afirmava esta, categoricamente: "A Ciência não mente. Enganar-se, sim, pode. Mentir, nunca!". Lembraram-se as obras do escritor H. G. Wells (A Máquina do Tempo, O Homem Invisível, Os dias do Cometa, A Guerra dos Mundos) com o pessimismo e a ideia de apocalipse a virem à tona. No fundo, no fundo, o cometa Halley era o responsável pelo republicanismo...
A BECRE não possui esta obra, mas vem a propósito divulgá-la aqui por quatro razões: 1. Escreve-se sobre um livro e aconselha-se a sua leitura; 2. Foca-se a influência dos fenómenos naturais na organização e no funcionamento da vida quotidiana; 3. Dá-se a conhecer o papel da ciência no seio da sociedade civil: nem sempre bom, nem sempre mau, mas sempre importante na descrição do mundo físico; 4. Pode ser que este livro venha a fazer parte do fundo documental da biblioteca da nossa Escola. Os alunos de ciências com ganas de intervenção social e ávidos de situações pitorescas associadas ao crescimento e elaboração do edifício científico talvez gostassem de o ler. Quanto aos de humanidades, esses, teriam mais um documento para os fazer ver que a construção da ciência é tão normal quanto escrever um romance e, por vezes, também alvo fácil de crítica ou descrédito social violentíssimos.
Uma nota final, o cometa Halley reaparecerá em 2061.
Anúncios do jornal O Século em 1910
Hiperligações:
Vídeo de apresentação do livro "Halley, o cometa da República"
O cometa Halley e a 1ª República (vídeo)
Rosa Espada
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