O serviço público de educação é um pilar essencial e imprescindível de uma democracia que, por definição, garanta a igualdade de oportunidades e o desenvolvimento integral de uma sociedade moderna.

O São Martinho na Cacilhas –Tejo


Para ti, Martinho, enquanto acreditares na tua boa vontade.

Martinho, depois de termos apresentado a nossa «peça», no dia 11 de Novembro, sobre o teu percurso, desde a tua fase de Soldado até à fase de Santo, depois de terem sido entregues os livros e os certificados de Curso a alguns dos «actores e das actrizes» da Turma L, do Curso EFA B3, depois de termos conversado sobre as tuas lutas, sobre a tua capa, sobre as tuas viagens, depois do magusto no Refeitório da Escola, depois de termos visualizado os trabalhos alusivos à época realizados pelas turmas A, B, K e M dos cursos EFA e escutado fado e canções moldavas, instalou-se o silêncio na nossa comunicação. Certamente que o silêncio deve significar algo, significa sempre qualquer coisa, é, sem dúvida, uma forma de expressão.


Sabes, aqui no mundo terreno, por vezes, somos obrigados a cumprir viagens «dolorosas», a cumprir censuras conscientes e inconscientes, e a viver com adiamentos mal resolvidos no tempo. Temos que aprender a estruturar os mecanismos que nos fazem sentir melhor, mas, de vez em quando, movimentos escondidos alertam-nos para essa «sombra assimilada» pelo passado e, por mais que tentemos resistir, não conseguimos deixar de imaginar que as coisas poderiam ter acontecido de uma forma diferente. É uma sensação estranha… Finjo não saber o que digo para não te magoar, Martinho.

Por vezes, é preferível procurar acreditar convictamente que «aquilo que procuramos no outro está estruturalmente perdido». Talvez, por influência de um novo texto que estou a trabalhar para a mesma Turma (nem imaginas a loucura, tenho a pretensão de representar a lenda do teu amigo São Valentim…), veio-me ao pensamento a palavra: decalque. Reprodução rápida, sem envolvimento. Recordo, também, com alguma emoção, que quando era miúdo, de vez em quando, costumava usar os jogos de decalque que o meu pai me comprava em Lisboa. Tirava da gaveta o novo exemplar e decalcava soldadinhos, generais, tanques de guerra, personagens estereotipadas, numa paisagem pintada para o efeito. Depois, éramos «obrigados» a escrever uma história sobre essas personagens e representá-la, à meia - luz, através de um teatro de sombras nas paredes do quarto. Os cenários eram normalmente feitos com lençóis brancos. Foi uma boa fase… Nessas histórias, não havia margem para descontextualizações, para «conflitos», para protagonismos «sombrios». Era só pôr as personagens em convivência, imaginar uma história inteira que se exprimisse numa só cena. Certamente que ninguém aprende a desenhar e muito menos a viver assim. Mas aprendia-se sempre qualquer coisa… É assim a natureza do decalque. «Estruturalmente perdido». Quando muito, decalcado. E quando imagino a possibilidade de pegar no nosso passado e decalcá-lo no presente transformando-o numa história de vida tenho a plena consciência que as cores vão acabar por se misturar todas na paisagem real, as outras personagens não vão encaixar-se nesse cenário, as formas e os conteúdos vão ficar distorcidos… Bem sei porquê, Martinho… Na vida real, as pessoas não são tão lineares como as personagens dos jogos de decalque que pintámos na infância. São portadoras de emoções, de expectativas, de egoísmos, de passados e da procura de futuros… Dizem que tem a ver com a tal «essência» humana. Por mim, a última coisa que desejo é provocar mágoa e tristeza nas pessoas. «O adiamento é a forma mais mortal da negação».



Martinho, mas da nossa «peça» nunca esquecerei. Irá ficar para sempre na minha memória todo o percurso dos ensaios até à representação final. Nunca esquecerei a tua espada, as tuas lutas, o teu cavalo e os seus sons, os teus amigos Soldados, as tuas Declamadoras, a tua Narradora e Apresentadora, as Crianças às quais ensinaste a tua lição de vida, o Mendigo que vagueava, desatento, quase esquelético, indiferente a tudo e a todos, a quem tu salvaste com o teu acto de amor ao próximo. Nunca poderei esquecer as palmas e os risos do teu público. Nunca esquecerei o ramo de flores que me foi oferecido. Foi o primeiro em toda a minha vida. Onde quer que eu vá, levarei essas flores na alma e no pensamento. Até ao fim. Certamente que foram escolhidas e oferecidas com esse intuito quase que «profético», e tiveram esse efeito. Mas porquê relembrá-lo contigo, Martinho? E porquê nesta altura? Não sei. Não me apetece pensar sobre a razão. Prefiro sentir…

Martinho, eu sei que não me perguntaste nada, talvez por isso te disse quase tudo… Quase tudo não significa tudo. Faltou o resto, e o resto é o negro, como o sol e o pensamento. O resto são as «ficções a vermelho» que ficaram nos bastidores da nossa «peça».

Quanto a ti, Martinho, continua a alimentar este mundo «real» com a tua lição de vida. Precisamos de ti aqui para construirmos «castelos de verdade e de sonho». Mantém as viagens curtas!
Silvestre Ribeiro
(texto)
Cristina Pimentel
(fotos)

1 comentário:

Anónimo disse...

Adorei o texto e as fotos!

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