O serviço público de educação é um pilar essencial e imprescindível de uma democracia que, por definição, garanta a igualdade de oportunidades e o desenvolvimento integral de uma sociedade moderna.

Literatura infanto-juvenil: o conceito, o debate

O debate em torno do conceito de Literatura infanto-juvenil (LIJ) – talvez prefira literatura para crianças e jovens – deverá centrar-se, a meu ver, na análise de três problemas essenciais:
1. A literatura como um fenómeno comunicativo e estético.
 
2. Condicionamentos (temáticos, linguísticos, sociais) à produção literária, em virtude da pré-definição dos destinatários (crianças e jovens), fragilizam ou não a LIJ na questão da qualidade e do conteúdo.

3. A crescente preocupação pelo desenvolvimento das literacias e o crescimento do mercado editorial para um público de características definíveis.

A definição apresentada por Marc Soriano (1975) enfatiza a dimensão “fenómeno comunicativo específico” ao explicitar claramente que a LIJ compreende um emissor (adulto) e receptor (criança) definidos, ao colocar a tónica no receptor-criança que, num momento concreto, possui características concretas – experiência do real, estruturas linguísticas, emocionais, etc. – e parcelares em relação ao universo dos adultos.

Juan Cervera (1991) alarga a reflexão ao considerar que a LIJ compreende todas as manifestações e actividades - não apenas o texto escrito - que contemplem o uso da palavra com intuitos artísticos e/ou lúdicos e que, directamente, se focalizem na criança e nos seus interesses. A questão da “qualidade” é, pois, aqui introduzida.

Deveremos pensar em Literatura infanto-juvenil ou, separadamente, em Literatura para crianças e Literatura para jovens? Tendo em conta as diferentes características do receptor-criança e do receptor-adolescente e as necessidades de adaptação linguística, temática…?

Apesar das reticências de Padrino (2001) - "esa narrativa para los jóvenes era más bien un género particular que una realidad literaria independiente"; é importante reforçar que se trata de "literatura de transição" (Padrino, 2001), logo, importante para o desenvolvimento de competências linguísticas e do gosto e "prazer de ler" - a análise do carácter educacional das LIJ torna-se incontornável.

Conteúdo e qualidade são tópicos de análise fundamentais para uma definição de literatura para crianças e jovens. Judith Hillman (1995) sublinha a importância do destinatário que determina o conteúdo: a perspectiva da criança, definição de intrigas simples e acção, tónica no optimismo e na inocência, combinação entre realidade e fantasia. A qualidade é consubstanciada no «prazer de ler», na informação/ explicação e no sonho/pensamento: “a literatura oferece-nos palavras para descrever e explorar os nossos pensamentos, sonhos e histórias.”

Partindo do pressuposto que “o público é [...] um valor subjacente à elaboração da obra” (Villardi, 2000) e componente essencial do fenómeno comunicativo que é a literatura, o problema passa a residir claramente na dimensão do conteúdo e, sobretudo, na da qualidade. O nível estético da obra literária para crianças e jovens (e, igualmente, na obra para adultos) é, pois, fundamental.


É claro que nem sempre a produção editorial se preocupa com questões de "conteúdo" e, sobretudo, de "qualidade" e, neste âmbito, concordo com Henriette Bicchonier (1991): a perenidade de uma obra, que acompanha o leitor ao longo da sua vida e, simultaneamente, lida e apreciada por sucessivas gerações de leitores; é um factor importante de aferição de qualidade.

A literatura infanto-juvenil é, assim, um género literário adaptado a um público concreto (Bicchonnier, 1991) e não são os condicionamentos temáticos, linguísticos ou sociais inerentes às características específicas dos destinatários, que retiram o carácter literário à LIJ - é a "perenidade da obra" que, em parte, a certifica. A capacidade de “criação de uma linguagem tão específica [...] capaz de atingir não só a crianças e adolescentes, mas a todos os adultos” (Villardi, 2000) revela a literatura infanto-juvenil como “capaz de encantar, de multiplicar, de acrescentar vivências, de possibilitar o prazer de inúmeras descobertas, de fazer sonhar [...] pela vida afora”. Ou seja, a qualidade temática, linguística e estética define o carácter literário de uma obra, não as características dos destinatários.

A mudança de paradigma na Educação que ocorreu nos anos noventa recolocou a questão do desenvolvimento das literacias no núcleo da reflexão sobre a “formação ao longo da vida”. Por outro lado, assistiu-se nos últimos anos a um desenvolvimento assinalável do mercado editorial da literatura infanto-juvenil. Recordo estes factos somente para reforçar que quer crianças quer adolescentes necessitam de orientação e acompanhamento no desenvolvimento da sua liberdade e gosto pela leitura, isto é, verdadeiros guias para o “prazer de ler”. Pais e professores, crianças e adolescentes, escritores e leitores são necessariamente parceiros neste processo de desenvolvimento de competências linguísticas, afectivas. Trata-se, pois, de uma “literatura especialíssima”.

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