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Caravaggio foi um horticultor de pincel

Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610) poderá nunca ter semeado ou plantado qualquer vegetal hortícola, mas tinha olhos de artista manifestamente analíticos e bem articulados ao desempenho técnico notável, requisitos fundamentais e identificadores dos grandes mestres da pintura.
Em certa medida influenciado pela tendência cultural dominante de estilo barroco, o pintor Caravaggio não foi imune à representação pictórica da natureza, dos corpos humanos, e das emoções segundo a orientação artística da época em que viveu, globalmente associada à representação arrebatadora do movimento e da expressão dramática e teatral.
As paisagens, as marinhas, os quadros de natureza-morta ilustrando objectos do quotidiano, que vão das jarras a frutas e flores, foram populares durante o período barroco. A isto se deve o alargamento do mercado das pinturas executadas sobre cavalete, numa clara resposta ao aumento do número de compradores. Géneros de maior intimidade e subtileza indutores de uma atitude de meditação no observador faziam igualmente parte do programa dos artistas da época.
Os quadros de natureza-morta barrocos são muitas vezes de uma beleza melancólica promotora da contemplação e da meditação, tornando possível admirar a habilidade do artista. Ora, Caravaggio escolheu representar nas suas naturezas-mortas as plantas hortícolas e, também aqui, o realismo com que aborda o tema é quase fotográfico. A concentração que dedica à representação fiel da natureza vegetal oferece-nos hoje uma importante fonte de informação sobre a horticultura do Barroco e sobre a fruta e os legumes então consumidos no sul da Europa. Não raras vezes, estas estruturas orgânicas ocupam um lugar de relevo nas suas composições artísticas.
Muito exactas no detalhe, as imagens das plantas hortícolas de Caravaggio permitem identificar cientificamente as espécies biológicas utilizadas na alimentação humana, avaliar sintomas de doenças fito-sanitárias, observar a destruição da matéria vegetal por insectos e por factores do meio ambiente (temperatura, humidade, grau de exposição à luz) ou perceber que cuidados culturais foram dedicados pelo agricultor às plantas. Portanto, há 400 anos atrás, as doenças das plantas e as suas pragas também se afirmavam como um quebra-cabeças para quem cuidava da terra, e no que à aparência exterior dos frutos diz respeito, estes alimentos estavam livres das manobras de marketing comercial duvidoso: as cascas não se apresentavam lustrosas, o tamanho não era obsessivamente normalizado, e o ataque pelos fungos e o efeito de outros factores ambientais no desenvolvimento das hortícolas é mostrado como algo recorrente e normal. Provavelmente, a aparência dos frutos não se sobrepunha à qualidade nutritiva intrínseca dos mesmos.
Apenas alguns nomes científicos das espécies identificadas a partir de obras de Caravaggio: Prunus avium (cereja), Mespilus germanica (nêspera), Punica granatum (romã), Pyrus communis (pêra), Malus domestica (maçã), Cydonia oblonga (marmelo), Prunus persica (pêssego), Cucumis melo (melão), Prunus domestica (ameixa), Curcubita pepo (abóbora), Ficus indica (figo), Cucumis melo (pepino), Vitis vinifera (uva), Citrullus lanatus (melancia) e Citrus sp. (várias espécies de citrinos).
Acredita-se que Caravaggio pintou as hortícolas com uma intenção simbólica de carácter religioso e também erótico, manifestando, deste modo, a marca de água da arte barroca – iludir, convencer e manipular o observador.


Rapaz com cesto de fruta (1592)



Rapaz descascando fruta (1592)



Auto-retrato como Baco (1593)



Natureza-morta com cesto de fruta (1601)



Natureza-morta com frutas numa laje de pedra (1603)


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