Camões, grande Camões, quão semelhante
Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co'o sacrílego gigante;
Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.
Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.
Modelo meu tu és, mas... oh, tristeza!...
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.
Manuel Maria Barbosa du Bocage
Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co'o sacrílego gigante;
Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.
Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.
Modelo meu tu és, mas... oh, tristeza!...
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.
Manuel Maria Barbosa du Bocage
«Rimas»
«Tem-se afirmado que Camões é o artista mais completo que produziu o Renascimento. Efectivamente, nenhum é mais representativo dessa grande época, que muitos julgam ainda o oposto da Idade-Média. Camões precisamente demonstrou, pela sua obra, que as duas épocas não são inconciliáveis, antes se completam uma à outra Há nela, tanto na épica como na lírica, e até na dramática, a fusão de três elementos fundamentais: a herança do passado greco-latino, a tradição nacional da Idade-Média, e o sentido da actualidade e do exótico. Vejamos esses três elementos, em cuja síntese superior se manifesta o verdadeiro homem da Renascença.
Camões, como nenhum dos nossos escritores, embebeu-se de cultura greco-latina. Teve também a felicidade de viver e ser criado num tempo excepcional, em que as disciplinas humanísticas, trazidas até cá por grandes professores, floresciam entre nós intensamente. Assimilou-as perfeitamente; e guardou dessa lição dos antigos o amor da beleza plástica e da beleza ideal, que joga tão harmoniosamente na sua obra. Disse um grande escritor moderno, Teixeira Gomes, que ninguém como Camões entre nós soube exprimir as atitudes dos corpos desnudados, à maneira antiga, helénica. E ninguém como ele, ainda à maneira grega e platónica, soube fundar na visão dos corpos belos toda uma teoria de amor ideal, fonte de delícias e instrumento do Bem.
A par dos elementos da cultura clássica, recriados pelo grande artista, vive nele a tradição nacional, representada em quatro séculos de esforços para engrandecer o «ninho paterno». Camões viu nesse tipo ideal do Português, talhando o seu destino à espadeirada, soberbo e dominador, uma figura incomparável de epopeia. Fez com ele os Lusíadas. O que interessa no poema não é Vasco da Gama, rude capitão sem luzes de cultura, a quem o próprio poeta não poupa o seu desdém; são as armas e os barões que criaram o Império, e os antepassados que, com esforço ininterrupto, tinham possibilitado essa prodigiosa criação. O presente e o passado andam no poema intimamente ligados. O poeta faz reviver a tradição por meio de «medalhões», pequenos episódios da história nacional: assim numa sala-de-armas os painéis que pendem das paredes lembram de contínuo as façanhas dos avoengos, dando silenciosas lições de heroísmo. Foi isto que pretendeu Camões: eternizar num momento dado o labor secular da grei, tanto mais para desejar quanto a experiência já lhe fazia ver as debilidades dessa construção magnífica. É significativo a esse respeito o tom diferente com que principia e acaba o poema. Ao começo um clamor triunfal, um alarido de vitórias; para o fim uma espécie de dobrar de finados, que culmina naquela definição tão triste e tão verídica da nossa decadência (Canto X, Est. 145):
Camões, como nenhum dos nossos escritores, embebeu-se de cultura greco-latina. Teve também a felicidade de viver e ser criado num tempo excepcional, em que as disciplinas humanísticas, trazidas até cá por grandes professores, floresciam entre nós intensamente. Assimilou-as perfeitamente; e guardou dessa lição dos antigos o amor da beleza plástica e da beleza ideal, que joga tão harmoniosamente na sua obra. Disse um grande escritor moderno, Teixeira Gomes, que ninguém como Camões entre nós soube exprimir as atitudes dos corpos desnudados, à maneira antiga, helénica. E ninguém como ele, ainda à maneira grega e platónica, soube fundar na visão dos corpos belos toda uma teoria de amor ideal, fonte de delícias e instrumento do Bem.
A par dos elementos da cultura clássica, recriados pelo grande artista, vive nele a tradição nacional, representada em quatro séculos de esforços para engrandecer o «ninho paterno». Camões viu nesse tipo ideal do Português, talhando o seu destino à espadeirada, soberbo e dominador, uma figura incomparável de epopeia. Fez com ele os Lusíadas. O que interessa no poema não é Vasco da Gama, rude capitão sem luzes de cultura, a quem o próprio poeta não poupa o seu desdém; são as armas e os barões que criaram o Império, e os antepassados que, com esforço ininterrupto, tinham possibilitado essa prodigiosa criação. O presente e o passado andam no poema intimamente ligados. O poeta faz reviver a tradição por meio de «medalhões», pequenos episódios da história nacional: assim numa sala-de-armas os painéis que pendem das paredes lembram de contínuo as façanhas dos avoengos, dando silenciosas lições de heroísmo. Foi isto que pretendeu Camões: eternizar num momento dado o labor secular da grei, tanto mais para desejar quanto a experiência já lhe fazia ver as debilidades dessa construção magnífica. É significativo a esse respeito o tom diferente com que principia e acaba o poema. Ao começo um clamor triunfal, um alarido de vitórias; para o fim uma espécie de dobrar de finados, que culmina naquela definição tão triste e tão verídica da nossa decadência (Canto X, Est. 145):
O favor com que mais se acende o engenho
não no dá a pátria, não, que está metida
no gosto da cobiça e na rudeza
düa austera, apagada e vil tristeza.»
não no dá a pátria, não, que está metida
no gosto da cobiça e na rudeza
düa austera, apagada e vil tristeza.»
LAPA, Rodrigues (1962). Prefácio a Líricas de Camões. Lisboa: textos literários, X-XV
Literatura Portuguesa - Luís Vaz de Camões
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RTP. Grandes Livros: “Os Lusíadas” de Luís Vaz de Camões
RTP. Grandes Portugueses: Luís Vaz de Camões
Leitão de Barros (1946). Camões
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